Relatos do Japão, datados de meados do século XI, indicam que as pipas (ou papagaios) eram originalmente utilizadas como ferramentas militares. Muitos diários de batalha da época registram o uso de pipas para transmitir mensagens secretas a aliados, transportar alimentos para tropas sitiadas em castelos e até erguer homens para espionagem aérea. Elas também serviam para medir distâncias necessárias para escavações de túneis — uma tática que já havia sido utilizada anteriormente pelo general Han Hsin, na China.
Símbolos Espirituais e Arte
No Japão, as pipas transcenderam a guerra e assumiram um profundo significado religioso e ritualístico. Diferente da tradição chinesa, o dragão nas pipas japonesas aparece como uma divindade do mundo submarino.
Foi na pintura e no artesanato que as pipas japonesas realmente ganharam destaque, consolidando-se como um elemento vital da cultura do país. A abundância de materiais como o washi (papel japonês), o bambu e os fios de cânhamo, aliada à habilidade manual dos artesãos, permitiu a criação de um vasto repertório de formas e imagens com fortes significados espirituais.
A Lenda de Kintarô e os Desejos aos Céus
Um exemplo notável dessa tradição é a história de uma mãe que pediu a um pintor renomado para ilustrar em uma pipa a figura de Kintarô, um herói folclórico símbolo de força, na esperança de que seu filho crescesse saudável. O sucesso foi tamanho que originou a tradição das pipas Mambu.
Desde então, surgiram pipas com figuras invocando diversos atributos:
- Vida longa: Cegonha ou tartaruga.
- Força: Carpa.
- Prosperidade: Dragão.
- Aprendizado: Sugawara (o deus do aprendizado).
- Boa sorte: Daruma.
- Proteção: Faces de demônios (talismãs contra o mal).
Na ilha de Mishima, existe um ritual especial: após o nascimento de uma criança, o avô pinta uma grande pipa com a imagem de um demônio, que fica sobre o berço. No ano seguinte, a família se reúne para soltá-la sobre o mar, afastando o mau agouro e garantindo saúde à criança.
A região também é famosa pelas enormes pipas Wan-Wan. Até a Segunda Guerra Mundial, eram as maiores registradas, compostas por 2.500 folhas de papel japonês, chegando a 20 metros de diâmetro e pesando 770 kg. Para estabilizar esses gigantes nos fortes ventos de maio, as caudas eram feitas de grossas cordas navais amarradas a âncoras. Curiosamente, durante a guerra, as Wan-Wan foram proibidas, pois seus roncadores produziam um som semelhante ao de aviões bombardeiros.
Uso Prático e o Dia do Menino
Além da mística, as pipas tiveram usos práticos na engenharia e no cotidiano. O herói Minamoto no Tametomo (século XII) teria usado uma pipa para levantar seu filho, e o arquiteto Kawamura Zuiken (1689) utilizou-as para içar trabalhadores ao telhado do Templo Zojo-ji. Pescadores de Tohoku e Chiba ainda as usam para prever o clima através das correntes de vento ou para sinalizar às famílias o retorno seguro após a pesca.
Atualmente, essa rica história é celebrada especialmente no Dia do Menino (5 de maio), com os famosos Koinobori — flâmulas em forma de carpas coloridas que enfeitam os céus, simbolizando a força e a perseverança que os pais desejam para seus filhos.

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